quinta-feira, 26 de setembro de 2013

por desafios de verdade

trechos do lúcido e sábio discurso do Mujica nesta última terça, na ONU:

“Amigos, sou do Sul (...) Durante quase 50 anos, o mundo nos viu como uma espécie de Suíça. Na realidade, na economia, fomos bastardos do império britânico e, quando ele sucumbiu, vivemos o amargo mel do fim de mudanças funestas, e ficamos estancados."

"Hoje, ressurgimos no mundo globalizado, talvez aprendendo de nossa dor. Minha história pessoal, a de um rapaz — porque, uma vez, fui um rapaz — que, como outros, quis mudar seu tempo, seu mundo, o sonho de uma sociedade libertária e sem classes. Meus erros são, em parte, filhos de meu tempo. (...) No entanto, não olho para trás, porque o hoje real nasceu das cinzas férteis do ontem. Pelo contrário, não vivo para cobrar contas ou para reverberar memórias."

"Me angustia, e como, o amanhã que não verei, e pelo qual me comprometo. Sim, é possível um mundo com uma humanidade melhor, mas talvez, hoje, a primeira tarefa seja cuidar da vida."


"Mas sou do Sul e, a esta Assembléia, carrego inequivocamente os milhões de compatriotas pobres nas cidades, nos desertos, nas selvas da América Latina (...) Carrego as culturas originárias esmagadas, com o resto do colonialismo nas Malvinas, com os bloqueios inúteis a Cuba. Carrego as consequências da vigilância eletrônica, que não faz outra coisa que não gerar desconfiança. Desconfiança que nos envenena inutilmente. Carrego a enorme dívida social e a necessidade de defender a Amazônia, os mares, os grandes rios da América. De lutar por pátria para todos e que a Colômbia possa encontrar o caminho da paz, com o dever de lutar pela tolerância. Uma tolerância necessária para com aqueles que são diferentes, aqueles com quem temos diferenças e discordâncias. Não se precisa de tolerância com aqueles com quem estamos de acordo."

"O combate à economia suja, ao narcotráfico, ao roubo, à fraude e à corrupção, pragas contemporâneas, procriadas por esse antivalor, esse que sustenta que somos felizes se enriquecemos, seja como for. Sacrificamos os velhos deuses imateriais. Ocupamos o templo com o deus mercado, que nos organiza a economia, a política, os hábitos, a vida e até nos financia em parcelas e cartões a aparência de felicidade. Parece que nascemos só para consumir e consumir, e quando não podemos, carregamos a frustração, a pobreza e até a autoexclusão.”

“O certo, hoje, é que (...) se aspirarmos para a sociedade consumir como um americano médio seriam necessários três planetas para poder viver."


"Nossa civilização montou um desafio mentiroso (...). Prometemos uma vida de desperdício e esbanjamento, que, no fundo, constitui uma conta regressiva contra a natureza, contra a humanidade como futuro. Civilização contra a simplicidade, contra a sobriedade, contra todos os ciclos naturais. E o pior: civilização contra a liberdade que supõe ter tempo para viver as relações humanas - a única coisa transcendente -, o amor, a amizade, a aventura, solidariedade, família.

Uma civilização contra o tempo livre que não paga, que não se compra e que nos permite contemplar e examinar minuciosamente o cenário da natureza. Arrasamos as selvas, as selvas verdadeiras, e implantamos selvas anônimas de cimento. Enfrentamos o sedentarismo com esteiras, a insônia com comprimidos, a solidão com eletrônicos. E pensamos que somos felizes longe do eterno humano? Cabe fazermos esta pergunta.”


"Debochada marcha de historieta humana, comprando e vendendo tudo, e inovando para poder negociar de alguma forma o que é inegociável."



__José "Pepe" Mujica, atual presidente do Uruguay, 
dia 24 de setembro, durante seu discurso na 68ª Assembleia-Geral 
da ONU, em Nova York.


vale ver o discurso completo. 
a transcrição traduzida pode ser encontrada no Diário Catarinense.


Um comentário:

Aline disse...

esplêndido esse tal de Mujica! ♥